Uso de resíduos para geração de bioenergia pode neutralizar as emissões de gases-estufa de São Paulo

Descartes agrícolas já contribuem com 25% da produção de eletricidade utilizada em residências nas cidades paulistas e esse porcentual pode saltar para 70%, apontaram pesquisadores participantes de seminário on-line sobre o tema

O maior aproveitamento de descartes da produção agrícola para a geração de energia e o uso de resíduos sólidos urbanos para essa mesma finalidade poderiam tornar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de São Paulo neutras ou negativas, avaliam pesquisadores ligados ao Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN).

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O Estado já possui matriz energética entre as mais limpas do mundo, com a participação de mais de 50% de biocombustíveis para o transporte, e o uso de resíduos agrícolas para a geração de energia já contribui com 25% da eletricidade utilizada nas residências das cidades paulistas.

Essa participação de resíduos pode saltar para 70% com o uso de parte da palha da cana-de-açúcar deixada no campo após a colheita e para 98% com o uso total desse insumo para a cogeração de energia pelas usinas sucroalcooleiras paulistas que aderiram ao Renovabio – programa do governo federal que visa expandir a produção de biocombustíveis –, apontou Gláucia Mendes de Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e membro da coordenação do BIOEN, durante o seminário on-line Valorização de resíduos, realizado no dia 24 de fevereiro.

“O potencial de geração de bioeletricidade por resíduos produzidos por outros segmentos do agronegócio, como o sebo animal descartado pela indústria da carne, é tão grande quanto o da cana-de-açúcar. Há ainda uma série de resíduos de outras biomassas disponíveis no Estado de São Paulo, que tem 190 mil quilômetros quadrados plantados com lavouras, pastagens e florestas destinadas ao uso econômico”, disse Souza.

No seminário, a FAPESP e a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente assinaram um protocolo de intenções com o objetivo de estimular projetos científicos e tecnológicos voltados à valorização dos resíduos.

“O foco da parceria é fazer com que os resíduos deixem de ser um problema e se tornem oportunidades e benefícios para a sociedade. Visa também ao desenvolvimento principalmente de ações focadas na questão da bioenergia, que inclui a produção de biocombustíveis como o etanol de segunda geração, biodiesel e biogás. São ações que procuram substituir derivados de petróleo na matriz energética do Estado de São Paulo, que já é muito especial em comparação com a de outras regiões no mundo”, disse Marco Antônio Zago, presidente da FAPESP.

“A parceria com a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente permitirá transpor o conhecimento produzido em laboratórios para a escala da produção e de uso pela sociedade”, acrescentou Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP.

Bioenergia e bioprodutos

Nos últimos anos, pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) têm desenvolvido métodos para localizar, quantificar e caracterizar esses resíduos agrícolas e urbanos para produção de bioenergia e redução das emissões de equivalente em dióxido de carbono (CO2).

A metodologia de localização, desenvolvida pelo professor Rubens Augusto Camargo Lamparelli, é baseada na aquisição por satélites de dados e mapas com resolução espacial de 250 metros e em intervalos de 16 dias. Por meio das ferramentas espaciais é possível identificar a região onde estão os resíduos agrícolas e urbanos e avaliar a viabilidade econômica de instalar uma indústria processadora para conversão desses insumos em bioenergia e bioprodutos, por exemplo.

O método foi aplicado inicialmente para avaliar a região administrativa de Campinas, que abrange 92 cidades. Os pesquisadores constataram que os resíduos mais abundantes têm origem na produção de cana-de-açúcar e que os resíduos sólidos urbanos ainda hoje descartados em aterros sanitários teriam potencial para produzir energia em proporção equivalente ao de uma usina sucroalcooleira, produzindo 100 milhões de litros por ano.

“Isso não quer dizer que se deve usar lixo para produzir biocombustível. É apenas um exemplo de desperdício de um insumo valioso”, sublinhou Telma Franco, professora da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e pesquisadora do Nipe.

Os cientistas também avaliaram o potencial de produção de biometano a partir da matéria orgânica dos resíduos urbanos sólidos enviados aos mais de dez aterros sanitários localizados na região metropolitana de Campinas.

“Verificamos que esse material tem potencial de gerar mais de 120 milhões de metros cúbicos de biometano por ano”, afirmou Franco.

Alternativa aos aterros

De acordo com dados apresentados por Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), hoje 40% do lixo produzido no Brasil é destinado aos lixões, aterros controlados e aterros que não capturam metano ou fazem isso de maneira inadequada.

Apenas 50% do metano produzido pelos resíduos urbanos – que é responsável por entre 3% e 5% das emissões totais de GEE – é capturado pelos aterros. O restante vai para a atmosfera, onde é 25 vezes mais nocivo do que o CO2.

Por essas razões, o quinto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) indica o tratamento térmico de resíduos sólidos urbanos como alternativa para contribuir para a mitigação do aquecimento global porque reduz em oito vezes as emissões de GEE, explicou Schmitke.

O tratamento térmico também gera entre sete e dez vezes mais energia com a mesma quantidade de lixo. Enquanto um aterro gera 65 quilowatts (kW) de biogás por tonelada de resíduos sólidos, o tratamento térmico produz entre 450 e 600 kW, comparou o especialista.

“Os aterros sanitários também apresentam riscos para a qualidade da água disponível no planeta. Por conta dos benefícios climáticos, econômicos e ambientais, os países desenvolvidos têm escolhido o tratamento térmico como alternativa aos aterros sanitários”, afirmou Schmitke.

Atualmente, há 2.448 usinas de tratamento térmico em operação no mundo, das quais 1.063 estão localizadas no Japão, 419 na China e 209 na Coreia do Sul. Na América do Sul há projetos para construção de usinas desse tipo, mas de menor porte, em países como o Brasil.

No Estado de São Paulo, por exemplo, há cinco projetos de construção de usinas de tratamento térmico, distribuídas pelos municípios de Barueri, Mauá e Diadema e na Baixada Santista, com 183 megawatts (MW) de potência instalada no total.

“Temos feito um trabalho com todos os municípios para oferecer soluções viáveis para o correto aproveitamento dos resíduos. Já temos dois projetos em fase de licenciamento ambiental junto à Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo] e com pareceres do Consema [Conselho Estadual do Meio Ambiente], que são as de Mauá e de Santos, com capacidade de processamento de 2 mil toneladas de resíduos por dia cada”, disse Marcos Penido, secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente.

Elton Alisson/Agência FAPESP

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